A Vinícola Inconfidência iniciou um processo pioneiro no Brasil, liderando a produção de vinhos de inverno no estado do Rio de Janeiro. Agora, novamente na vanguarda, ela aplica rastreabilidade com Blockchain, utilizando a ferramenta QuipoAgro e liderando o movimento de concessão de IP.
No dia 19 e 20 de junho, aconteceu o “I Congresso Estadual Desafios do Enoturismo no Rio de Janeiro”, evento organizado pelo Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio e apoiado pela FAPERJ, para discutir o futuro da vitivinicultura na Região Serrana e explorar o impacto positivo que o turismo pode ter no desenvolvimento local. Um dos participantes foi José Cláudio Aranha, proprietário da Vinícola Inconfidência, que se destaca como a primeira vinícola integrada do Rio, atuando desde 2018 com a produção de ponta a ponta na propriedade.
O esforço representado pelo evento já faz parte da trajetória do casal Ângela e José Cláudio Aranha, que, desde 2010, com muita pesquisa e inovação, vêm investindo na produção vitivinícola na serra fluminense. Hoje, a Vinícola Inconfidência, que produz sete variedades de uvas e conta com dez rótulos, já é reconhecida por especialistas e amantes de vinhos em todo o Brasil e compõe o roteiro turístico da região. O resultado desse investimento é o protagonismo da serra do Rio e uma produção focada nos vinhos de inverno, que recebem este nome devido ao período da colheita, usualmente nos meses de junho e julho, durante a estação que mais atrai turistas para a região. Na imagem ao lado, processo de plantação na Vinícola Inconfidência, em 2019.
Localizada nas margens da Estrada Real, rota do Caminho Novo, região de clima tropical de altitude marcada por verões chuvosos e invernos secos, a Vinícola Inconfidência conta com um sistema de produção vitícola com dois ciclos, sendo duas podas e uma colheita por ano (técnica da dupla poda). Somada ao investimento em tecnologia e no aprimoramento dos processos de cultivo, a combinação de altitude e amplitude térmica (noites frias e grande exposição ao sol ao longo do dia) garante um cenário perfeito para o desenvolvimento das uvas.
O solo e o microclima formam um terroir extremamente favorável à produção de vinhos de altíssima qualidade. As características locais, compartilhadas por produtores de uvas e vinhos da região — que juntos produzem uma média anual de 40 mil garrafas de vinho — garantem construção de uma nova identidade territorial que demonstra a vocação da região serrana do Rio para ser um novo polo de enoturismo no Brasil, além de se alinhar com a característica turística já relevante do local.
Como uma sequência natural à trajetória da vinícola baseada na qualidade e inovação, a busca pela valorização do trabalho e impacto local fermentou, culminando na adoção da rastreabilidade da produção e criação do primeiro vinho rastreado em Blockchain do Brasil, que conta todo o processo produtivo, desde o plantio do talhão até a rotulagem das garrafas.
Vinho e Blockchain
Uma fábrica clandestina interditada no Paraná misturava suco, álcool e corante e colocava no rótulo que a bebida se tratava de um vinho colonial gaúcho. Fraudes como essa, identificada em junho com cerca de 16 mil garrafas prontas para comercialização, acontecem com muita frequência. Por isso, a garantia de origem e a confiança na marca é algo que produtores de vinhos de maior valor buscam.
Neste cenário, essa é mais uma das vantagens a serem aproveitadas por Aranha na adoção da rastreabilidade com o QuipoAgro, reforçada pelo registro das informações em uma rede incorruptível, inalterável e auditável. Além da certificação de origem e a garantia de processos de qualidade e conformidade com as regulamentações da cadeia, a rastreabilidade também conta a história que existe por trás das varietais e blends da Vinícola Inconfidência. Inicialmente, os rótulos rastreados são os vinhos Alice 2023 (rosé varietal de Syrah), João Paulo 2022 (blend de Syrah e Sauvignon Blanc) e Antonio's 2021 (varietal de Cabernet Sauvignon).
O intuito é que a prática da transparência construída componha o padrão de qualidade para os vinhos de inverno da região e consolide sua vocação na viticultura brasileira. Este é um esforço coletivo que une os produtores em prol do desenvolvimento de uma tradição e do turismo da região. Harmonizando com esses objetivos estaria a busca concessão de uma Indicação Geográfica, distinção que demonstraria a qualidade e força do vinho na Serra.
Rastreabilidade e IG
Indicação Geográfica (IG) é um título concedido pelo INPI. A IG garante a origem, tipicidade e qualidade do produto, protegendo-o contra falsificações. São aqueles produtos que você sabe a qualidade deles por causa do seu local de origem, como o queijo roquerfort, que necessariamente é francês, ou o queijo serrano, produzido em Campos de Cima da Serra, nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Há duas modalidades de IG, Indicação de Procedência (IP) ou Denominação de Origem (DO). Enquanto a primeira está relacionada a um país, cidade ou região que possui um know-how, um reconhecimento geral e notoriedade por serviço ou pela produção de algo, a segunda é indicada quando o produto ou serviço apresenta qualidades intrinsecamente ligadas a fatores naturais (clima ou relevo, por exemplo) ou humanos (como práticas culturais ou técnicas específicas) da sua localização. Em ambos os casos, o reconhecimento do lugar geográfico em que a produção acontece é de suma importância.
A marca concedida deve ser regida por uma instituição que controle o uso e o cumprimento dos requisitos de processo, origem e qualidade que justificaram a aprovação do título. Neste sentido, a rastreabilidade auxiliaria de três formas na consolidação de uma IG aos vinhos de inverno: facilitação no controle e padronização dos processos de produção; garantia de origem dos produtos; e fortalecimento do reconhecimento da região como produtora deste tipo de bebida.
As consequências da distinção de uma IG são os direitos por ela concedidos e o renome vinculado aos produtos ou serviços, gerando diversos benefícios advindos dessa valorização, promovendo um território em diversos âmbitos para além do produto, no caso, o vinho, e mercados adjacentes, como o turismo. Em consonância com essa ambição está o projeto intitulado “Desenvolvimento, inovação e novas territorialidades para construção da indicação geográfica dos Vinhos de Inverno da Região Serrana Fluminense”, ou, de forma mais curta, “Vinhos do Rio”. Financiado pela Faperj no âmbito do edital 21/2022 e conduzido pela Faeterj Petrópolis, a iniciativa conta com diversas ações para incentivar e valorizar a atividade vitivinícola, culminando na protocolação do pedido de IP para colocar definitivamente os vinhos do Rio no mapa do enoturismo brasileiro.
Vinhos do Rio
O projeto Vinhos do Rio, após um ano em execução, já conseguiu um grande feito na articulação deste verdadeiro ecossistema que se forma na serra fluminense, reunindo diversos ingredientes de sucesso. A receita seguida foi apresentada também no I Congresso Estadual Desafios do Enoturismo: formalização da entidade representante dos produtores de vinhos de inverno e construção de sua identidade; criação do caderno de especificações, nome geográfico e representação gráfica para pleitear a IG; implementação de piloto de rastreabilidade na Vinícola Inconfidência e, por fim, estruturação de dados e construção no mapa virtual Vinhos do Rio.
Como primeiro passo, houve a criação da Viniserra, a Associação dos vitivinicultores da Região Serrana do Rio de Janeiro, que tem o intuito de articular os produtores de uvas e vinhos da região e desempenha um papel crucial na promoção e desenvolvimento da vitivinicultura, especialmente no que diz respeito aos vinhos de inverno. Além de promover a qualidade na produção, com modernização de técnicas e sustentabilidade, a entidade também será responsável pela marca coletiva a ser pleiteada junto ao INPI.
Os produtores integrantes da associação, assim como os da Associação dos Viticultores do Vale de Areal (AVIVA), integram o mapa Vinhos do Rio. A plataforma mostra as iniciativas que compõem o roteiro do enoturismo do estado do Rio de Janeiro e trazem visibilidade para a região, que viu nos últimos quatro anos um salto na produção. Segundo Rogerio Dardeu, autor do livro "Gente, Lugares e Vinhos do Brasil", de um produtor em 2020, hoje o estado do Rio de Janeiro conta com 35 vinícolas em dez municípios.
Todo este empenho para a construção da Indicação Geográfica (IG) para os Vinhos de Inverno da Região Serrana Do Estado do Rio de Janeiro se justifica pela distinção ser muito mais do que uma etiqueta em uma garrafa. Ela é a garantia de que a taça que você ergue representa a autenticidade da Serra Do Estado do Rio de Janeiro. É o reconhecimento da excelência das práticas vitivinícolas locais, do esforço coletivo e do uso da inovação na construção da viabilidade técnica para produção de rótulos excepcionais. Ademais, este projeto quer garantir que, com a Indicação de Procedência, apenas os vinhos produzidos na região, seguindo padrões de qualidade estabelecidos e aprovados pelos produtores e métodos de trabalho social e ambientalmente comprometidos, possam levar esse nome.
Um dos produtores que integram esse ecossistema é Roberto Medina, dono da Dream Farm, onde cuida, ao lado da mulher, Mariana, de 20 000 pés de uvas. O criador do Rock in Rio conta, em entrevista para a revista Veja, que pretende construir até 2026 um museu com a história e a degustação de vinhos das principais regiões produtoras do mundo, selando a trajetória com a prova da sua nascente linha de vinhos, a Somnium. “O turismo sofisticado do vinho agrega muito ao cenário do Rio, e posso colaborar com esse passo importante”. E o empresário reforça a distinção da Serra para além da qualidade das bebidas: “A paisagem de Areal é única, o pôr do sol nos nossos vinhedos não tem igual”.
A combinação de inovação e valorização da tradição fazem com que esse projeto seja um blend de sucesso.